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“Temos que ser capazes de não mais defender verdades estáticas, mas incorporar uma ética que relativiza”

Em vídeo gravado para evento acadêmico em Óbidos (PA), em 2017, o Prof. Wilton Barroso Filho explica o que é a “Epistemologia da Confusão”


    


Como compreender o fenômeno do presente, no qual todos têm opinião sobre tudo, mas pouca alteridade para uma convivência não belicosa? Esta é uma questão complexa para uma resposta pronta. No entanto, os estudos do romance podem ajudar a encontrar um caminho para o pensamento que acolhe o conflito e não o rechaça pela violência. Segundo o prof. Wilton Barroso Filho, líder do grupo de pesquisa Epistemologia do Romance, o referido presente pode ser fruído pela ideia de “Epistemologia da Confusão”.
                “Eu posso falar da confusão a partir da dupla, da dualidade, do dois, de tudo aquilo que não é um.  Entendo com isso que tudo que é um é claro, é unânime, é consensual e é convergente. Tudo aquilo que é duplo, é dois, é confuso, pouco claro, conflituoso e sem consenso”, explica.
                Para Barroso, a ideia de duplo (com porta para a pluralidade) pode ajudar na construção de um ambiente de tolerância às diferenças porque revela um ser humano portador, pela sua própria condição de existência, de vários “eus”. Olhar-se e olhar o outro, neste sentido, seria um exercício de respeito pelo processo dinâmico de ser de cada um. “A solução epistemológica que encontramos para a confusão contemporânea é exatamente o do movimento, a vontade deliberada de observar os fenômenos de forma dinâmica”, reitera.
          Barroso traça esta conclusão a partir do caminho do “duplo” em três romances:  “La Modification” (1956) de Michel Butor, Aura (1962) do mexicano Carlos Fuentes e Uma Duas (2011), da autora brasileira Eliane Brum. O primeiro deles é uma narrativa francesa (sem tradução) que conta a história de um empresário da década de 50 dividido entre a vida de marido em Paris e a vida de amante, em Roma. Ao tomar uma decisão de ficar com a amante, pega um trem para Roma, mas até chegar na cidade, é assolado pelos pensamentos confusos e conflituosos de seus dois “eus”. Até que se decide por nenhuma mulher, mas pela necessidade da escrita de um livro.
                Por sua vez, Aura, relata a vida de um historiador incumbido de organizar os documentos de um falecido militar a pedido da viúva, que vive com a sobrinha. O professor muda-se para a casa da velha e da jovem, e acaba se envolvendo com a moça. O que ele não contava é que a moça também é a viúva. Já o romance Uma Duas traça a história de um relacionamento tenso entre uma mãe e uma filha. Ambas contam suas histórias pela perspectiva de suas próprias vozes, o que dá a possibilidade de compreensão dos conflitos e mazelas de cada uma posta em contexto. O livro termina com a filha matando a mãe, por meio da eutanásia, num ato de amor.
                “Os três temas são extremamente polêmicos. E ao olharmos para eles, somos incitados a pensar que o mundo está decadente, em derrocada, os religiosos diriam: um mundo imoral, quando na verdade os três romances mostram que os indivíduos, nós – contrariamente a toda filosofia cartesiana e a imensa maioria das religiões ocidentais – não somos unos. Nós somos duplos. Ou mesmo somos vários. E a confusão só se estabelece porque nós insistimos na paralisia de um mesmo lado”, revela o prof. Wilton Barroso.
                A sugestão do pesquisador é manter a coragem em não defender verdades eternas, mas adotar uma espécie de ética que relativiza, compreende cada coisa posta em contexto, com o intuito de chegar ao entendimento de que existem diversas morais e hábitos numa sociedade. E para a convivência sadia é necessário o não julgamento. “Podemos entender os outros e nós mesmos em processo, um processo que dura enquanto vida haja”, finaliza.
                Confira o vídeo acima!

(Texto: Nathália Coelho)