O escritor de A brincadeira e A insustentável leveza do ser completa hoje 88 anos
Nascido em 1º de abril de 1929, na República Checa, o escritor estudado pelo Grupo de Pesquisa Epistemologia do Romance cria o tipo de narrativa que a abordagem epistemológica tem satisfação em analisar: o romance que pensa.
Milan Kundera manifesta em sua obra a condição paradoxal do ser humano que vive as contradições da existência. E mais: é uma existência dentro de contextos sociais e culturais complexos que esvaziam as experiências e não permitem análises simplistas sobre essa condição.
O autor afirma, em entrevista para Christian Salmon, da revista nova-iorquina Paris-Review, que a interrogação meditativa (ou meditação interrogativa) é a base de todos os seus romances. Interrogar-se sobre a condição humana, meditar sobre ela e buscar reflexões e associações que não estão disponíveis facilmente ao pensamento puramente objetivo: eis a arte do romance.
Milan Kundera mostra em seus ensaios e entrevistas o poder do romance como elemento de investigação da condição humana, bem como a importância do seu alcance: “Tenho medo demais dos professores para quem a arte não é senão um derivado das correntes filosóficas e teóricas. O romance conhece o inconsciente antes de Freud, a luta de classes antes de Marx, ele pratica a fenomenologia (a busca da essência das situações humanas) antes dos fenomenôlogos. Que soberbas descrições ‘fenomenológicas’ em Proust que não conheceu nenhum fenomenôlogo!”
Sua mais recente publicação, A festa da insignificância, livro lançado em 2013, permanece nesse movimento. De forma irônica e com prosa leve, o escritor coloca na interação de cinco amigos vivendo na Paris contemporânea as grandes questões de se estar em um mundo em que a banalidade virou regra. “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la”.
Um dos grandes escritores vivos, Milan Kundera se constituiu como uma voz que atravessa as barreiras das fronteiras e do tempo, colocando a existência humana no centro da atividade estética. Comemoramos hoje não apenas os seus 88 anos de vida, mas principalmente a sua importância para a literatura, bem como as reflexões que transbordam de sua arte.