Por Wilton Barroso Filho*
Ainda que seja uma atitude humana, velha que nem o mundo, o suicídio, sobretudo depois do advento do judaico-cristianismo, se tornou algo condenável apriorie também virou tabu. Provavelmente por isso é tratado de forma preconceituosa inclusive por quem não deveria. Assim sendo, de forma difusa, mas não tanto, o suicídio é visto como algo necessariamente mal em si,. Quem o pratica está evidentemente doente. Isso tanto falseia a pergunta que se faz a cerca da questão como eventuais elementos de solução de um, por vezes, problema.
A cultura gerada pelo judaico-cristianismo colou no inconsciente coletivo a ideia de que a vida é um bem supremo dado por Deus, e, se ele nos deu só e somente só ele pode nos retirar. Isso, de fato, pode ser entendido assim, não se está aqui questionando a fé de ninguém. O que se contesta, e de forma veemente, é a imposição cultural e extremamente opressiva dos que professando esta fé, quando querem impor ao mundo inteiro a veracidade ética da sua crença. Sublinhasse aqui que não há no texto bíblico nenhum indicio ou possibilidade de que o Deus judaico-cristão outorgou alguma procuração para que judeus e cristão intervissem de forma tão ostensiva na vida dos outros. Precisam respeitar àqueles que se oprimem entre, não pedi para vir ao mundo e não me deixam partir quando bem me aprouver. Esse quadro cultural impede que se olhe de modo objetivo para a questão do suicídio, que se estabeleça quando ele é de fato uma vontade livre e raciocinada do indivíduo, e quando ele é de fato um problema psicológico grave que necessita da intervenção de profissionais multidisciplinares. A resultante desse processo complexo é a incapacidade do Ocidente de dar uma resposta que se espera sobretudo nuançada da questão: o que é o suicídio?
Quando olhamos a história da civilização ocidental podemos observar que o gesto suicida nem sempre foi condenado. Aos cidadão livres de Roma era dado o direito de decidirem livremente a cerca da vida e da morte, ou seja era uma prerrogativa do homem livre decidir sobre a oportunidade ou não do fim da vida. Bem antes disto, Platão nos conta, e isso parece nunca ter gerado espanto, mas antes admiração, que ao cabo de um julgamento injusto Sócrates decidisse encurtar os seus dias. Ou seja nos fundamentos da nossa civilização existem traços claros de que a ética mais antiga entende que homens livres tem o direito de encurtar as suas existências. Claro, não há nenhuma obrigação ou imposição, mas o gesto pode, dependendo das circunstâncias e da reflexão do contexto, significar uma expressão nobre do homem livre. Ao longo de toda a longa História do Ocidente, filósofos, políticos, ilustres de todo tipo ou gênero, tomaram a opção pelo suicídio e também por isso são entendidos como grandes e figuram em nosso imaginário Panteão.
Nas sociedades orientais e nas que seguem o Islã, o suicídio não evoca nem de longe os problemas éticos colocados no Ocidente. O fundamentalismo islâmico está há décadas no noticiário ocidental, sem que nós enquanto civilização, estejamos minimamente preparados para lidar com o suicídio religioso com fins de guerra. Estupefatos, não conseguimos entender, não conseguimos combater, pior nem conseguimos nos defender. Há algo na fé islâmica nos ultrapassa completamente, há nestes gesto uma fé que está além da compreensão judaico-cristã.
Mas é óbvio que existe também um suicídio que é fraqueza, que não contém nenhum sentido ou significado libertário. Este quadro merece atenção especial, precisam quando possível intervenção prévia, são ações apoiadas na ética fraternal que deve e pode salvar vidas. Certamente algumas de nossas nobres disciplinas científicas tem avançado e criado condições louváveis e importantes de resgate de pessoas em total desamparo que foram e são libertadas de situações doentias. Tudo isso é muito importante e necessário, porém é apenas uma parte do problema, ficando portanto muito longe de qualquer totalidade possível.
Gravíssimo, essa mesma matriz disciplinar, cultural e religiosa, que impede suicídios desejados, assistidos e eticamente legitimados. Há, sem medo de errar, neste momento, inúmeros casos de pacientes sem nenhuma possibilidade de cura, que são mantidos vivos pelas taras do Ocidente, poucos são os lugares que concedem a essas desamparadas pessoas a possibilidade de encurtarem um grande sofrimento absolutamente inútil. Afinal, prevalece, por tirania e atavismo, a crença que Deus deu a vida e só ele tira, pouco importa se o indivíduo acredita nisso ou não. A Democracia avançará muito o dia que permitir que homens livres e desenganados pela ciência possam soberanamente abreviar os seus dias. Aos que não concordam, afirmo: faça isso consigo, porque é respeitável e legítimo, mas não imponham aos que não compartilham seus valores, em parte ou por inteiro. Compreenda que não há crime na diferença, seja tolerante e cresça.
O suicídio que é patológico, tem como sujeito, quem? Parece que hoje tudo recai sobre o suicida, ele é fraco, é covarde, é doente, está pedindo socorro. Mas e a sociedade, não tem nenhuma responsabilidade nisso? Por tudo aquilo que leio parece que não. A sociedade ocidental não tem nada com isso, parece natural a opressão, a diferença de classe, a frustração, a inacessibilidade. Todo o mal do presente está naturalizado em nossa civilização, tudo explicadinho através de frios e sem nenhuma emoção, signos alfa numéricos.
Enquanto tivermos a pressa de tudo unificar, de tudo ter que estar contido em econômicos conceitos universais, estaremos epistemologicamente, incapacitados de formular uma questão verdadeira sobre o suicídio, sobre suas nuanças e possibilidades patológicas ou éticas. A Lógica Clássica ensina, há séculos, que sem a formulação de uma questão verdadeira é impossível que se atinja uma resposta digna do nome. Parece que estamos condenados a viver em paz, torcendo para que em uma quebrada da vida o physique du rôlenão caia sobre nós.
* Professor de Filosofia e Literatura na Universidade de Brasília. Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VII.