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OPINIÃO: Repúdio ao discurso de André Valadão

Por R. S. Neves – PPGM/UnB

No presente mês de junho, conhecido como mês do Orgulho LGBT, o pastor e cantor André Valadão utiliza de seu reconhecimento e seu poder para proferir um discurso que condena os homossexuais ao inferno. Para fundamento de sua mensagem traz ao público a citação de 1 Coríntios 6:10. Portanto, trata-se aqui de apresentar uma interpretação nietzschiana desse discurso, e objetivo expor argumentos filosóficos, advindos de meus estudos que talvez sirvam para combater o discurso de ódio cristão aos homossexuais.

Nietzsche é um filósofo alemão que constrói sua filosofia criticando a religião e a moral. Através da filosofia, condena o cristianismo ao erro, haja vista que seus preceitos morais, defende, são fundamentados na mentira que tal moral nada mais é do que seu próprio  desejo, seus próprios preconceitos. 

Ele demonstra que tais preconceitos ratificam o poder de controlar o ser humano, de o envenená-lo com o cálice da fé. Podemos conceber que essa fé é, sobretudo,  mentira, a qual pratica, em minha interpretação, condutas malignas.

Em Genealogia da Moral (2009) nos é dito que ao sacerdote, isto é, ao pastor, trata-se de perpetuar seu poder, eles são rebaixadores da moral e escravagistas do conhecimento. É semelhante ao que Kierkegaard (2019, p. 194) nos diz que “não existe nenhum pastor honesto, visto que “para fazer moral é preciso ter vontade incondicional do oposto” (NIETZSCHE, 2010, p. 58).

Estes líderes, são, essencialmente, usurpadores do conhecimento, que procuram a verdade e, nisto, tornam-se senhores da mentira, sedentos por humilhação, por rebaixamento. Esses assassinos da essência da vida, que diz ser demoníaco o orgulho e que não veem seu próprio orgulho pujante em sua fé. Esses senhores que ainda possuem a audácia de se intitularem “homens de Deus”, e que aguardam o reino da justiça, enquanto executam seu ódio aos seres humanos. “A isso chamam eles ‘juízo final’, ‘vinda do seu reino’, do ‘Reino de Deus’, entretanto, vivem na ‘fé’, na ‘esperança’ e na ‘caridade’. — Basta! Basta!” (NIETZSCHE, 2016, p. 48) A hipocrisia e a mentira são essências do evangelho. Com isto me parece está demonstrado que:

Não resta uma só palavra do que antes se chamava “verdade”, já não agüentamos, se um sacerdote apenas pronuncia a palavra “verdade”. Hoje temos de saber, mesmo com uma exigência ínfima de retidão, que um teólogo, um sacerdote, um papa, não apenas erra, mas mente a cada frase que enuncia(NIETZSCHE, 2016, p. 43).

Eles (religiosos) são responsáveis por ocultar os dignos valores e falsear a realidade. A realidade é vida, é desejo, e também pode ser Orgulho. A isto, eles se contrapõem, através dessas provas do Diabo, que aniquilam a beleza da vida.

Seja maldita essa religião que diz “não julgueis para que não sejais julgados” (Mateus 7:1), mas no momento mais oportuno decreta morte aos seus opositores! Dizem: – Deus odeia o orgulho, —  quando vós mesmos são os odiadores. Vós sois aqueles que aniquilam sonhos e destroem vidas.  Que discursa“ódio instintivo a toda realidade” (NIETZSCHE, 2009, p. 48).

 Estes sacerdotes (pastores) que apoiam políticos corruptos e genocidas, e consagram assassinos para serem líderes de seus rebanhos, fazem-me questionar: o que há de justo nisso? Como ousam dizer ser justo um país que mata homossexuais somente por serem quem são?  Não são sagradas as escrituras que dizem: que quem não pratica a justiça não procede de Deus, nem tampouco aquele que não ama seu próprio irmão? (1 João, 10).

Diga-me, oh cristãos: destilar ódio a outro ser humano, isto é amar? Vós que receberam a missão do seu próprio Deus de serem Luz do Mundo (Mateus 5:14-16), foram expoentes da Idade das Trevas. Não tenho dúvidas de que Nietzsche realmente estava certo. Vós sois mentirosos! “

Nem os mestres judeus e cristãos duvidaram jamais de seu direito à mentira, não duvidaram de outros direitos pode-se dizer: todos os meios pelos quais, até hoje, quis-se tornar moral a humanidade foram fundamentalmente imorais” (NIETZSCHE, 2010, p.52).

Mas, para não ficar somente nas palavras de um filósofo contemporâneo, trago também as palavras do apóstolo Paulo, cuja autoridade na fé é, por muitos, inabalável: “sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso” (Romanos, 3: 4).

Desse modo, não me parecem fidedignas as palavras de um homem que decreta ocultação, rebaixamento e condenação às pessoas homossexuais, vossa opinião é demasiadamente humana, e, portanto, mentirosa.

Referências

NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo e ditirambos de Dionísio. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2016.

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a genealogia da moral: um escrito polêmico. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009.

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos: ou como se filosofa com o martelo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2010.

KIERKEGAARD, Søren Aabye. O Instante. Como Cristo julga a respeito do cristianismo oficial e imutabilidade de Deus – Um discurso. Traduzido por Álvaro Luiz Montenegro, Márcio Gimenes de Paula –  São Paulo:  Liber Ars , 2019.


Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do grupo Epistemologia do Romance; sendo, inteiramente, responsabilidade do autor.